segunda-feira, 19 de julho de 2010

Ficha Limpa IV: um museu de grandes novidades

Aviso aos navegantes, não digam que a LC n. 135/10 (lei dos ficha-limpa) se trata de uma grande novidade por impedir que indivíduos condenados por órgão colegiado participem do processo eleitoral.

Na verdade, a LC n.5/70, lei que dispunha sobre as inelegibilidades no período ditatorial já obstava a elegibilidade daqueles que fossem parte em determinados tipos de processo, ainda que sob os protestos do Ministro Xavier de Albuquerque (TSE - Recurso Ordinário n. 4 .189/RJ) que acusava a lei de negar o princípio da presunção de inocência pactuado pela República brasileira perante a ONU na "Declaração Universal dos Direitos do Homem". Contudo, o Supremo Tribunal Federal do Regime Militar entendeu ser constitucional a regra.

Posteriormente, uma nova lei, LC n. 42/82, passou a obliterar a elegibilidade dos que fossem "condenados" por um numero clausus de tipos penais e outras espécies de condenações. Cumpriu ao STF em sede do RE 99.069/BA, sob a relatoria do Ministro Oscar Corrêa, analisar a (in) constitucionalidade da referida norma. Já em pleno processo de redemocratização, o STF adotou outra postura e consignou a imprestabilidade daquela lei por malferir a presunção de inocência.

Recentemente, a AMB moveu a ADPF n. 144 contra a interpretação do TSE sobre o art.14, §9o, da Constituição, na qual aquela Associação pretendia facultar aos juízes e tribunais eleitorais a negativa do registro eleitoral daqueles que tivessem condenações recorríveis. Então, nessa oportunidade, o Ministro Celso de Mello afirmou que o princípio da presunção de inocência só poderia ser afastado por norma constitucional originária, nem mesmo por emenda seria viável tal pretensão.

O suposto clamor popular que embasa a lei do ficha-limpa não pode se sobrepor a Constituição Federal. Hoje se pretende obstar a elegibilidade de indivíduos condenados em decisões recorríveis. Amanhã pode se pretender um óbice de elegibilidade por critérios de cor, raça, religião, ideologia, mas será tarde porque o precedente já estará criado. Esse é o caminho do facismo que habita a alma das pretensões antidemocraticas! Deixemos ao povo o direito de escolher seus governantes. Essa é a verdadeira liberdade democratica, essa é a única proteção que a democracia demanda! Cuidado com aqueles que se arrogam da capa de protetores supremos do povo e da nação!

Um comentário:

  1. Devo defender o colega Diego de Paiva Vasconcelos de parte dos comentários que recebeu à sua elogiável pesquisa jurisprudencial sobre as condenações criminais como hipóteses de inelegibilidade, intitulada, sob inspiração cazuziana, “Ficha Limpa IV: Um Museu de Grandes Novidades”. Primeiro, sobre o comentário da suficiência da legitimidade: nem tudo que é legítimo, é legal, e vice-versa. A Ciência Política já descreveu que não há necessariamente uma correlação lógica entre legitimidade e legalidade. No Direito, o saudoso Pontes de Miranda também já descrevera, pela teoria da Escada Ponteana, os planos da existência, validade e eficácia, atualmente melhor descritos pela Escola Paulista de Direito. Segundo, sobre a justiça da legitimidade: nem tudo que é legítimo, é justo, e vice-versa. Teorias confirmam a hipótese dessa injustiça com o Fascismo e o Nazismo. Exemplo emblemático, porque bíblico, é a condenação de Jesus Cristo, em vez de Barrabás. Terceiro, sobre o comentário da inversão da presunção de inocência em culpabilidade com a decisão proferida por órgão singular de 1º grau de jurisdição: o comentário encerra uma contradição em si mesmo. Ao comentar o 1º grau, admite a existência do duplo grau de jurisdição, em que pode ser reformada equivocada decisão proferida pelo 1º, declarando, com efeitos retroativos, a não-culpabilidade. A própria Declaração Universal dos Direitos Humanos proclama o 2º grau. Quarto, sobre o comentário da comparação com o “ficha limpa” e o golpe militar, acrescido do questionamento sobre a formação universitária: dentro do raciocínio do colega, de legitimidade de uma inconstitucionalidade, a comparação é pertinente. O início do golpe militar também é exemplo emblemático, porque traumático, da legitimação de inconstitucionalidades. À época, os universitários que divergiram foram exilados ou assassinados. Pelo questionamento, o comentarista preferiria que os universitários não divergissem ou o pior, que eu prefiro não escrever. Quinto e último, sobre o comentário de o colega ser advogado de político: ora, o comentário, porque destituído de fundamento, e contido da conclusão de que todo político é “ficha suja”, e nenhum é “ficha limpa”, dispensaria qualquer defesa; porém, escrevo que antes dele ser advogado de político, é advogado, e que político, “ficha suja”, inclusive, tem direito a um advogado. É inegável que todos os comentários são favoráveis ao “ficha limpa”. Também não se pode negar que todos são, direta ou indiretamente, contrários à liberdade de expressão, ao iluminismo, a Voltaire, que defendeu essa liberdade com as seguintes palavras: “Não concordo com uma palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-las”. Certamente os comentaristas pensem que sou corporativista. Para os que pensarem que sou, escrevo que a Ordem dos Advogados do Brasil diverge do colega. Se eu fosse eles, pensaria que sou justo e racional.

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